Caderno de Campo Altos e Córregos do Recife e Olinda - Diário de Campo 3: Alto José do Pinho 19/04/2022
Posted by Carlos Lunna on 7 June 2024 in Brazilian Portuguese (Português do Brasil). Last updated on 2 July 2024.Este é o terceiro entre os diários de campo que compõem o caderno de campo da minha pesquisa sobre interações sociotécnicas nos Altos e Córregos da Zona Norte do Recife e sua área contígua em Olinda, cidades localizadas na Região Metropolitana do Recife (RMR). Mais detalhes sobre a pesquisa vocês podem ver na minha tese de doutorado, publicada em https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/48802. Para a tese a delimitação socioespacial foram os Altos e Córregos da Zona Norte do Recife, a parte de Olinda foi agregada depois da tese.
Os diários de campo foram realizados em minhas idas ao território objeto de estudo. Nessas idas sempre registrei o percurso com o aplicativo OSM Tracker. Esse diário diz repeito a ida para a sede do Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife, no Alto José do Pinho, Recife/PE http://u.osmfr.org/m/749769/ .
Segue abaixo o diário de campo na íntegra, apenas com alterações de nomes pessoais, com o intuito de resguardar a identidade das interlocutoras:
No dia 19/04/2022 fui para a sede do Maracatu Estrela Brilhante no Alto José do Pinho, entrevistar Dona Mariana, presidente da agremiação. Meu interesse em entrevistá-la era por lá ser um ponto de cultura (então procurar saber sobre quais as benesses e limitações de participar do programa cultura viva), também para saber como a entidade se articula com outras do mesmo bairro e buscar pistas sobre uma certa concentração de alunos da turma de Recondicionamento de Computadores na Rua Avenca, que é uma rua transversal à Rua onde fica a sede do Estrela Brilhante que é a Rua Tuína.
Eu já tinha ido ao Alto José do Pinho algumas vezes, tendo como destino o Centro Dom João Costa. Assim, a parte que eu tinha explorado do bairro, eram as duas principais vias de acesso a partir da Avenida Norte (Rua Monte Horebe – sentido Mangabeira; e Valeriano Lobo – sentido Córrego do Bartolomeu) e as Rua Maragogi e Severino Bernardino Pereira, que são duas das ruas que concentram mais comércios, escolas, o terminal de ônibus, dividindo o espaço com as moradias. É uma área de ruas mais largas no bairro, ainda que com curvas sinuosas e diversos becos em suas transversais.
Contudo, para o setor do bairro onde fica a sede do Maracatu Estrela Brilhante, eu nunca tinha ido. Desci no terminal da linha Alto José do Pinho/Cais de Santa Rita e fui seguindo pela Severino Bernardino Pereira, no sentido oposto ao do Centro Dom João Costa, quebrei num beco que dava na Rua Avenca, segui pela Rua Avenca até o ponto de entrada na Rua Tuína, onde passa uma escadaria que vai levar à Rua do Rio, no limite com os bairros da Mangabeira e Bomba do Hemetério. Esta parte do bairro já possui ruas mais estreitas, onde predominam residências, com construções irregulares, algumas casas feitas em cima das outras, outras com reboco exposto, marcando uma área em que a vulnerabilidade social é mais acentuada.
Mais acentuada também é a presença do tráfico de drogas neste setor. Quando cheguei na esquina entre as ruas Avenca e Tuína, havia um movimento o qual eu suspeitei que fosse de tráfico de drogas, depois confirmado durante a entrevista com Dona Mariana. Contudo, como eram as pessoas que estavam bem na entrada da rua do Estrela Brilhante, os perguntei sobre onde ficava a sede do maracatu e eles me indicaram de pronto.
Ao chegar na sede, havia um movimento na entrada, como se fossem pessoas em algum tipo de reunião ou curso algo do tipo. Depois, ao indagar Dona Mariana sobre a atividade, ela me falou que era um curso de arte em cerâmica.
Como o barulho das pessoas fazendo o curso poderia atrapalhar a captação do áudio da entrevista, Dona Mariana me chamou para uma parte atrás da casa, onde pudéssemos ter privacidade e silêncio para a entrevista. Ela já havia me dito que também mora na casa. Esta parte em que ficamos, era uma espécie de barracão do maracatu: havia máquina de costura, adereços, cartazes, tambores, entre outros tipos de material necessários a agremiação. Desta parte da casa há uma vista bastante interessante, em que prevalece a vista do Alto do Pascoal.
Fizemos a entrevista, a qual eu não vou entrar em maiores detalhes porque ela foi transcrita na íntegra, mas sobre as minhas expectativas iniciais, digo que em termos de articulação com outras entidades do bairro, ela falou que não havia, talvez fruto de um certo isolamento no bairro, mais distante dos setores onde ficam as sedes do Centro Dom João Costa e da Escola de Samba Unidos do Escailabe, por exemplo, apesar da minha entrevistada do Centro Dom João Costa ter dito que tinha boa relação com o Estrela Brilhante, na ocasião, a pessoa não relatou como se dava essa boa relação. Pelo fato do Dom João Costa ser administrado pela igreja católica e o maracatu ser uma agremiação que cultua as religiões de matriz africana, pode ser que essa dita boa relação, seja no âmbito de haver tolerância religiosa, o que aliás, Dona Mariana citou como ponto positivo da sede ser no Alto José do Pinho, pois falou que, no bairro, a entidade, apesar de cercada por igrejas evangélicas é respeitada no seu culto, ao contrário de terreiros sediados em outros bairros, que ela citou, que chegaram a serem atacados por organizações evangélicas.
Também percebi certa confusão em identificar programas e repasses de verba de entes federais e estaduais na narrativa dela, sobretudo, sobre o programa Cultura Viva. Sobre a violência no bairro, Dona Mariana foi mais enfática do que outros entrevistados do Alto José do Pinho, relatando problemas com o tráfico de drogas, inclusive com membros e ex-membros do Estrela Brilhante, novamente atribuo essa visão ao contexto mais próximo ao tráfico no qual está inserida a sede do maracatu.
Sobre a concentração de alunos do curso de Recondicionamento de Computadores advirem da Rua Avenca não consegui muitas pistas. Aliás, nem com o Estrela Brilhante, nem com o Centro Dom João Costa (que recrutou os alunos) e nem com o Professor das turmas. O que ficou marcado pra mim ao ir nessas imediações foi a já citada agudização do contexto de vulnerabilidade social e da presença do tráfico de drogas.
Ao final da entrevista seguimos por um corredor, entre o barracão lá atrás e a sala de entrada, onde se localiza uma espécie de terraço, novamente com uma vista muito interessante, onde se vê mais próximo parte da Mangabeira, mais adiante a Bomba do Hemetério e mais distante, os bairros do Arruda e Água Fria, com o estádio de futebol do Santa Cruz Futebol Clube, se destacando na paisagem. Quando me despedi de Dona Mariana as pessoas continuavam no curso de arte com cerâmica. Segui pelo mesmo caminho de volta e desci pela Rua Valeriano Lobo até a Avenida Norte.
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